Precisamos falar sobre robôs gigantes.

Fico pensando como que funciona a negociação de livros que já começam como trilogias. O autor apresenta a ideia da trama completa, fala que só vai terminar de escrever tudo saqui a 20 anos e a editora fala para entregar em três parcelas? Ou o autor já fala que será uma trilogia e rola um contrato que o obriga a entregar tudo até uma certa data? Imagino que cada caso é um caso. Minha esposa deve descobrir isso em breve.

Mas enfim, não devemos perder o foco.

Sleeping Giants (ou Gigantes Adormecidos, título nacional dado pela Suma de Letras), não só é o primeiro livro da trilogia The Themis Files como também é o primeiro livro do canadense Sylvain Neuvel.

É um livro interessante, escrito como de fosse a compilação de várias transcrições de gravações (somente diálogo, sem narrador). Sylvain pega os conceitos mais tradicionais de ficção científica (O Homem Que Sabe Tudo, crise mundial, alienígenas, robôs gigantes, entre outros) e mistura tudo numa história bem gostosa de ser lida.

O livro começa quando uma mão gigante é acidentalmente encontrada por uma menina chamada Rose em South Dakota. Daí começam as perguntas sobre quem ou o quê construiu essa mão, se existe um braço por aí e se estamos ou não sozinhos neste universo. As perguntas são boas e as respostas são divertidíssimas.

O final — que não é bem um final, é um “fim da primeira parte” — deixa tudo preparadinho para Waking Gods (Deuses Renascidos, também pela Suma), o segundo volume. Não tenho a mínima ideia do que vai acontecer, o que é ótimo e, sendo sincero, coisa rara de se ver por aí.

(E claro que, depois de ser comparado com Perdido em MarteGuerra Mundial Z, já tem uma adaptação cinematográfica a caminho. Aguardo ansiosamente pelo que vem por aí.)

Cada um tem o Peter Pan que merece.

Vamos resumir (bem superficialmente) o que sabemos sobre Peter Pan, aquele garoto matreiro e levado, se levarmos em conta somente o filme da Disney?

  • Vive na Terra do Nunca, onde enfrenta piratas liderados pelo Capitão Gancho com a ajuda dos Garotos Perdidos.
  • Gosta de visitar esse nosso universo, buscando crianças que não estejam satisfeitas com o seu status quo atual e que queiram se aventurar em um lugar onde nunca crescerão.
  • Não quer / tem medo / odeia esse negócio de virar adulto.

Agora vamos acrescentar um trechinho do livro Peter and Wendy, escrito por J. M. Barrie em 1911:

All wanted blood except the boys, who liked it as a rule, but to-night were out to greet their captain. The boys on the island vary, of course, in numbers, according as they get killed and so on; and when they seem to be growing up, which is against the rules, Peter thins them out; but at this time there were six of them, counting the twins as two. Let us pretend to lie here among the sugar-cane and watch them as they steal by in single file, each with his hand on his dagger.

(Tá lá, quarto parágrafo do quinto capítulo.)

Inferindo só com esse parágrafo:

  • Vários Garotos Perdidos perderam a vida em batalhas com os piratas.
  • Vários Garotos Perdidos perderam a vida porque desobedeceram a regra de “nunca crescer” e foram assassinadas pelo próprio Peter Pan.

Pessoalmente, nunca achei o Peter Pan um herói ou até mesmo “do bem”. Esse parágrafo de J. M. Barrie sempre me deixou com vontade de saber o que rola dentro da cabeça de um personagem que leva crianças para uma terra mágica com uma promessa mentirosa de que nunca crescerão. Nos finalmentes, ou elas morrerão em batalha ou serão assassinadas pelo seu líder.

Aí que entra Lost Boy, de Christina Henry. No livro ela conta a infância de um jovem chamado Jamie, que além de ser o primeiro Garoto Perdido e o melhor amigo de Peter Pan, sente um enorme orgulho do seu casaco vermelho e… bem, já sabemos onde isso irá acabar, né?

É um livro triste, com um texto seco que combina com cada uma das desgraças sofridas pelos seus personagens. Uma história muito mais interessante do que aquela que Joe Wright dirigiu em 2015.

E que combina muito mais com a versão de Peter Pan que eu montei na minha cabeça.

Um emaranhado de boas ideias não faz um bom livro.

Tentei ler O Nome da Rosa quando tinha algo como 10 anos, acho. Eu me lembro que já tinha assistido ao filme e gostado bastante, então achei que gostaria do livro desse tal de Umberto Eco.

Achei chato demais. Devo ter aguentado até a quinquagésima página antes de desistir (na época ainda não tinha decido nunca abandonar um livro no meio) e provavelmente seguir a vida lendo algum livro do Stephen King.

Avançando uns 30 anos, surgiu na pilha de doações dos meus sogros O Pêndulo de Foucault, do mesmo Umberto Eco. Fui atraído porque 1) era uma possibilidade de dar uma nova chance ao truta e 2) seria legar ler sobre o pêndulo que vi pessoalmente no Musée des Arts et Métiers.

Li tudo? Li. De cabo a rabo. Mas era melhor ter jogado o livro pela janela.

O livro tem excelente ideias. Fantásticas até. Só para listar alguns exemplos:

  • Um Sam Spade literário, que caça referências em bibliotecas empoeiradas e sebos sinistros.
  • Uma editora que na verdade são duas — com direito a um “corredor secreto” que liga uma à outra.
  • Um esquema de auto-financiamento editorial que beira à fraude.
  • Um imortal especializado em história.

E por aí vai. O problema é que todas essas ideias — que por si já valeriam uma dúzia de livros sensacionais — são usadas en passant e descartadas para dar lugar à trama principal que é a simplesmente a coisa mais chata do mundo:

Segundo consta, os Templários deixaram um plano secreto para dominar o mundo. Aí um trio de pseudo-intelectuais resolve desvendá-lo, debatendo durante capítulos e mais capítulos e levando ao desgaste intelectual e emocional 90% dos coadjuvantes, com direito ao flashback mais maçante do mundo, o mal aproveitamento das ideias sensacionais já citadas e um clímax que não combina com o resto do livro (parece que alguém copiou e colou o final de outro livro). É chato, de uma verborragia desnecessária e com personagens idiotas, uma completa perda de tempo.

Mas aprendi uma coisa:

Se nem os personagens secundários aguentam a trama, estou liberado para acompanhá-los e abandonar um livro no meio.

A apaixonante Night Vale.

A cidade de Night Vale nasceu em um podcast quinzenal chamado Welcome to Night Vale, criado por Joseph Fink e Jeffrey Cranor em 2012. Os episódios são montados como se cada áudio fosse uma transmissão da Rádio Comunitária de Night Vale, contando o dia-a-dia dessa pequena cidade localizada em algum lugar do desértico sudoeste norte-americano.

Em Night Vale todas as conspirações são verdadeiras. Luzes estranhas cruzam os céus, uma organização governamental sinistra espiona os cidadãos, existe uma senhora sem face que secretamente habita a sua casa (e todas as outras ao mesmo tempo) e muito mais, como uma Twin Peaks elevada à enésima potência. Esses elementos surreais misturados com humor e horror resultam em histórias divertidamente originais.

The Great Glowing Coils of the Universe é uma coletânea com os roteiros do segundo ano de Welcome to Night Vale (O primeiro ano pode ser encontrado em Mostly Void, Partially Stars). Cada roteiro é acompanhado de uma introdução, normalmente escrita pelos seus criadores, contando alguns detalhes sobre a produção do show.

O ponto forte desses livros (por mais sensacionais que sejam os episódios) são justamente essas introduções.

É inspirador ler como os roteiros são escritos, como no começo a produção é mambembe, como as inspirações surgem dos lugares mais estranhos, como são surpreendidos ao se tornarem o podcast mais escutado em todo o iTunes e como chega a hora de repensar suas carreiras profissionais para cuidar da sua verdadeira paixão.

Esse amor por Night Vale é mais que compartilhado pelo público: na primeira vez que fizeram um “episódio ao vivo” contaram com um público de 115 pessoas em um bar que um fã tinha conseguido de graça. Na segunda vez? Duas exibições em Town Hall (dê uma olhada na história deste lugar) para mais de 2.000 pessoas.

Lendo esses trechos dá para entender perfeitamente como uma ideia de dois malucos de fazer um podcast gravado mal e porcamente num microfone USB em um apartamento sujo em Nova York evoluiu em cinco anos para mais de cem episódios, dois livros originais best-sellers do New York Times e uma futura série no FX.

E pense bem: qualquer um pode ter uma ideia. E não vou e nem quero entrar na questão dessa ideia ser boa ou ruim. Até aquela pessoa que se acha um buraco negro onde toda a criatividade vai para morrer pode ter uma ideia. É bem fácil.

A parte difícil é se apaixonar por essa ideia a tal ponto de fazer tudo para que ela dê certo.

Leia o livro, curta os episódios e se inspire com a paixão de Fink & Cranor por Welcome to Night Vale.

Quem sabe você não tem — e se apaixona — por uma ideia própria?

Sherlock Holmes e a arte de roubar no jogo.

Esses dias terminei de ler (ou reler, porque acho que já tinha lido há uns 20 anos atrás) O Cão dos Baskervilles, livro escrito por Arthur Conan Doyle em 1902.

O livro começa com a morte do magnata Sir Charles Baskerville, encontrado caído na sua propriedade vítima de um ataque cardíaco. Entra Dr. Mortimer, amigo de Charles, que suspeitando do envolvimento de elementos sobrenaturais resolve contratar os serviços de Sherlock Holmes para investigar o que diabos está acontecendo e o que pode ser feito para evitar que o herdeiro Henry Baskerville seja poupado desse destino.

Diferente dos outros contos do detetive e por motivos que vale mais a pena ler no livro do que neste texto, desta vez Holmes fica ausente por quase metade dos capítulos e dá espaço para o seu companheiro Dr. John H. Watson brilhar. É divertido acompanhar Watson em cada uma das suas descobertas e nos relatórios detalhados que envia a Holmes. Você chega até a se identificar com Watson quando chega a hora dele decidir se é melhor proteger o seu cliente de uma possível morte horrível ou se é melhor dar espaço para ele tentar conquistar a mulher pela qual está apaixonado — e você ainda não viveu se nunca teve que decidir isso.

Mas se você é um leitor ávido desse gênero, sabe que nada disso importa para o caso porque 1) sabe que Sherlock Holmes irá voltar eventualmente e 2) sabe que o caso será solucionado por uma pista que só Holmes enxergará.

E isso é uma merda. É uma merda que você consegue prever e enxergar lá de longe porque sabe que é assim que a vida funciona nesse tipo de história, seja Holmes ou qualquer outro desses detetives fantásticos, mas mesmo assim: é uma merda.

Há alguns anos atrás a minha linda esposa me perguntou se eu gostava de Agatha Christie. Ela se surpreendeu quando eu respondi que nunca havia lido nada dela, mas mesmo assim me indicou O Caso dos Dez Negrinhos (Ou E Não Sobrou Nenhum, dependendo de quando você nasceu). Olhei pro livro e perguntei:

– Mas ela rouba no jogo?

Para mim “roubar no jogo” é quando o autor deliberadamente esconde fatos importantes e rouba a oportunidade do leitor solucionar um problema por conta própria só porque acha que irá roubar aquele “ARRÁ!” do seu fantástico personagem principal.

Mas enfim, dentro desse gênero de que o personagem principal é mágico e consegue ter uma visão que somente ele consegue ter, pelo menos O Cão dos Baskerville permite ao leitor se enganar durante meio livro de que ele pode ter algum tipo de competência para substituir um ausente Sherlock Holmes.

Continuo seguindo com ficções científicas, suspenses e horrores…